Narrativa e drama no jornalismo policial: feminicídio em questão

A revista científica Sociopoética, Campina Grande (PB), traz em sua última edição o artigo “Narrativa e drama no jornalismo policial: feminicídio em questão”, das pesquisadoras Isabella Mariano e Ruth Reis. Elas fazem uma análise da cobertura jornalística do feminicídio da médica Milena Gottardi Tonini Frasson (38), em 14 de setembro de 2017, crime do qual o ex-marido é acusado de ser o mandante.

Foram investigadas 118 páginas incluindo capas, matérias e notas, veiculadas entre setembro e dezembro de 2017 pelo jornal A Gazeta (ES), do principal grupo de comunicação do estado, a partir dos princípios da Análise Crítica da Narrativa.

A principal motivação da pesquisa é contribuir para que o jornalismo, entendido como importante narrador dos questões do presente, aprimore procedimentos de reportagem, influindo assim para a superação de problemas sociais, como é o caso da violência contra a mulher o feminicídio.

De acordo com dados do Mapa da Violência, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgado em 2018, a taxa de homicídios no Brasil é 30 vezes maior do que na Europa e, nos últimos 10 anos, mais de 550 mil pessoas perderam suas vidas devido à violência intencional no País, em 2016. Entre esses casos, o registro do número de feminicídios tem aumentado significativamente.

 

Os casos singulares de violência e feminicídio preenchem as páginas de jornais, ocupam horas de rádio e telejornais e estão presentes em sites de notícias diariamente. Alguns permanecem por meses no cotidiano das pessoas, sem que se registre uma abordagem aprofundada das suas causas e impactos para o conjunto da sociedade, a exemplo da cobertura do assassinato da médica

No período pesquisado, o jornal destaca o caso ‘Milena Gottardi’ em sua capa 15 vezes e o noticia, em forma de matérias, notas e reportagens, 39 vezes. Das 118 páginas coletadas, 21 correspondem a páginas de opinião, incluindo textos de colunas, cartas do leitor e artigos.

Segundo conclusão das pesquisadoras, nas reportagens, o jornal situou sua narrativa entre a indignação e o espetáculo. O assassinato de Milena foi tratado de forma pouco contextualizada em relação discussões acerca do conjunto de questões que configuram a violência contra a mulher e o feminicídio em particular e da ameaça que ele representa para o coletivo.

Foram identificadas algumas metanarrativas, como a questão do feminicídio, que subjaz de modo um tanto conflituoso na história apresentada pelo jornal. Embora as autoridades policiais tenham verbalizado algumas vezes essa motivação para o crime, o jornal não lhe deu destaque em seus títulos e textos graficamente mais relevantes.

Dos 38 textos jornalísticos analisados, entre notas e reportagens, apenas em seis encontrou-se pelo menos uma destas informações: menção ao crime de feminicídio, definição do termo, orientação sobre como pedir socorro (em especial, o Disque-Denúncia), outros casos, dados, leis e entrevista com especialista.

Em alguns textos de opinião, o jornal exige punição ao criminoso, mas não expressa o feminicídio como causa – apesar de a caracterização já ter sido adotada pelas autoridades governamentais. Em vez disso, usa expressões como “crime passional” e “latrocínio” para se referir ao caso.

Ao focar apenas na ocorrência singular, o jornal deixa de desenvolver uma narrativa que poderia colaborar para a compreensão do feminicídio como um fenômeno, efeito de uma desigualdade de gênero perpetrada historicamente em nossas sociedades, e que precisa ser combatido.

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